A indústria fonográfica, historicamente, foi um dos pilares do setor cultural, responsável por descobrir talentos, produzir conteúdos de alta qualidade e distribuir músicas ao redor do mundo. Mas, podemos dizer que, de um tempo para cá, a pirataria acabou com a indústria fonográfica.
Isto porque, nas últimas décadas, essa indústria enfrentou desafios significativos. E isso, a propósito, ocorreu não apenas devido à pirataria, mas também em decorrência da revolução digital.
O impacto combinado desses fatores não só abalou os modelos de negócios tradicionais, como também provocou mudanças profundas na maneira como a música e outras formas de cultura são produzidas, distribuídas e consumidas.
A pirataria e suas consequências
A pirataria musical começou a ganhar força no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, impulsionada por tecnologias como CDs regraváveis e a disseminação de plataformas como Napster, Kazaa e LimeWire.
Essas ferramentas permitiam que usuários copiassem e distribuíssem músicas gratuitamente, eliminando assim a necessidade de comprar álbuns físicos ou mesmo arquivos digitais oficiais.
Para as gravadoras, o impacto foi devastador. Os lucros despencaram, uma vez que as vendas físicas de CDs, que antes dominavam o mercado, entraram em colapso.
A pirataria reduziu investimentos e prejudicou talentos
A consequência direta da pirataria foi a redução do investimento em novos talentos, com grande impacto na vida de calouros que se apresentam em shows de auditório, como America’s Got Talent, The Voice, The X Factor, entre outros, com versões para vários países em diferentes idiomas (além das versões kids, em que os chamados botões de ouro premiam crianças e jovens de imenso talento).
Apesar de, frequentemente, surgirem adultos talentosíssimos, muitas vezes se apresentam até crianças que dão a impressão de terem nascido já com um dom amadurecido. Consequentemente, surge a pergunta sobre o futuro na área artística.
Esses calouros, quando saem vencedores nessas competições, ganham prêmios em dinheiro com valores bem expressivos. Mas, e os demais, qual será o futuro para eles, numa época em que nem mesmo as grandes gravadores querem investir em quem não é ainda muito famoso?
Gravar e produzir um álbum completo é caro, e sem a garantia de retorno financeiro, as gravadoras passaram a ser muito mais seletivas, concentrando-se em artistas já estabelecidos ou optando por lançar apenas singles.
Além disso, o modelo de desenvolvimento de carreiras, que envolvia descobrir e lapidar novos artistas ao longo de anos, tornou-se arriscado demais.
Isso reduziu, significativamente, as chances de novos cantores e cantoras emergirem na indústria, resultando em um mercado cada vez mais dependente de poucos grandes nomes.
O impacto da revolução digital
Mesmo fora do contexto da pirataria, a revolução digital trouxe desafios adicionais.
Plataformas como YouTube, Spotify, Apple Music, entre outras, tornaram a música mais acessível do que nunca.
Hoje, qualquer pessoa com conexão à internet pode ouvir praticamente qualquer música a qualquer momento, muitas vezes sem custo direto.
Embora serviços de streaming tenham ajudado a reduzir a pirataria ao oferecer uma alternativa legal e acessível, eles também introduziram novos problemas.
A remuneração que os artistas recebem por reprodução em streaming é, em geral, muito baixa. E tem provocado grande insatisfação na categoria.
Para obter um retorno significativo, as músicas precisam acumular milhões de reproduções, algo que apenas uma pequena porcentagem de artistas consegue.
Consequentemente, muitos músicos apontam a dificuldade em sustentar suas carreiras exclusivamente por meio da venda de música ou streaming.
Casos que ilustram a extensão do problema
Um exemplo emblemático é o da cantora britânica Adele, cujos álbuns frequentemente batem recordes de vendas, mas que, ainda assim, enfrentam desafios no mundo digital.
Quando lançou seu álbum “25” em 2015, Adele optou, inicialmente, por não disponibilizá-lo em plataformas de streaming, priorizando as vendas físicas e digitais.
A estratégia mostrou-se eficaz temporariamente, mas ilustra a luta constante entre manter a integridade artística e se adaptar às novas demandas de consumo.
Outro exemplo é o da banda Radiohead, que, em 2007, lançou o álbum In Rainbows no formato “pague o quanto quiser” em seu site oficial.
A iniciativa também se revelou inovadora e visava combater a pirataria, oferecendo aos fãs a oportunidade de pagar o que considerassem justo. Embora tenha sido bem-sucedida, não é um modelo viável para todos os artistas.
Outras indústrias culturais impactadas
A indústria dos livros é outra que vem sentindo o peso das mudanças tecnológicas.
O surgimento de e-books e plataformas como Amazon Kindle trouxe praticidade e preços mais baixos para os consumidores, mas também reduziu as margens de lucro para editoras e autores.
Assim como na música, a pirataria de livros digitais é um problema sério. A facilidade com que um arquivo pode ser copiado e distribuído sem custo prejudica tanto grandes editoras quanto escritores independentes.
O cinema e a televisão também estão sendo profundamente transformados. E na televisão diminuem os espaços publicitários, que se espalharam pela internet em várias modalidades.
A disseminação de plataformas de streaming e a pirataria de filmes afetam a receita de bilheterias e de vendas de DVDs, empurrando a indústria para modelos baseados em assinaturas.
A Netflix, por exemplo, revolucionou o mercado, mas obrigou estúdios tradicionais a repensarem suas estratégias.
Modelos de adaptação e de sobrevivência
Apesar dos desafios, as indústrias culturais estão encontrando formas de se adaptar.
No setor musical, as apresentações ao vivo e as turnês se tornaram fontes cruciais de renda para artistas.
Além disso, muitos músicos estão explorando outras fontes de receita, como merchandising e parcerias com marcas.
Na literatura, o crowdfunding e a autopublicação surgiram como alternativas viáveis.
Plataformas como Amazon Kindle Direct Publishing permitem que autores independentes publiquem e distribuam seus próprios livros, enquanto campanhas de financiamento coletivo ajudam a cobrir custos de produção.
Já no cinema, a produção de conteúdo original para plataformas de streaming tem se mostrado uma solução eficaz.
Grandes estúdios e produtoras independentes agora criam filmes e séries exclusivas para serviços como Netflix, Amazon Prime e Disney+, garantindo novas formas de receita.
A cultura está morrendo?
Embora seja tentador pensar que a cultura está em declínio, a realidade é mais complexa.
A cultura não está morrendo, mas se transformando. E isso representa, indubitavelmente, um desafio para quem tenha dificuldade de se adaptar aos chamados novos tempos.
A acessibilidade proporcionada pela internet democratizou o acesso à música, a filmes e a livros, permitindo que pessoas ao redor do mundo consumam mais conteúdo cultural do que nunca.
Por outro lado, a sustentabilidade financeira para artistas e produtores de conteúdo permanece um desafio.
O modelo de negócios tradicional foi amplamente substituído, e as indústrias culturais ainda estão em busca de equilíbrios que beneficiem tanto os criadores quanto os consumidores.
Ainda no tocante a cantores e cantoras, e mesmo a instrumentistas, tornaram-se frequentes apresentações em praças públicas, que atraem grande número de aficionados.
Esses artistas arrecadam a ajuda financeira que é oferecida espontaneamente pelos frequentadores.
Embora o resultado de arrecadação possa ser tímido ou insuficiente, muitos artistas de rua conseguem se sustentar com essas atividades.
Canais dos artistas no YouTube também divulgam essas apresentações, que alcançam milhares ou milhões de inscritos, de visualizações e do chamado like, além de frequentes comentários.
Isso representa mais uma fonte de renda com a monetização dos canais.
Um desafio imposto pela modernidade
Em resumo, a indústria fonográfica, assim como outras indústrias culturais, foi profundamente afetada pela pirataria e pela revolução digital.
No entanto, apesar do abalo nos modelos tradicionais, novas formas de distribuição e monetização estão emergindo, o que viabiliza que a cultura continue a prosperar, ainda que em novos formatos.
A chave para o futuro será a capacidade de adaptação e de inovação contínua, garantindo que tanto artistas quanto consumidores possam usufruir dos benefícios de um mercado global digitalizado.
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